A Justiça do Trabalho pode determinar a responsabilidade do ente público tomador de serviços quando constatada culpa na fiscalização da empresa contratada em relação aos direitos trabalhistas de seus empregados. Com esse entendimento, a 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ) negou provimento a um recurso ordinário interposto pelo município do Rio de Janeiro, condenado em primeira instância, de forma subsidiária, a pagar as verbas rescisórias de uma trabalhadora terceirizada junto à HB Multisserviços LTDA. A empregada prestava serviços junto a uma unidade da Coordenadoria de Educação (CRE) do município. O colegiado acompanhou por unanimidade, em sessão virtual, o voto do relator, desembargador Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha.
A trabalhadora terceirizada alegou na petição inicial ter sido coagida econômica e moralmente a pedir demissão da HB Multisserviços, para que pudesse ser admitida na próxima empresa prestadora de serviços do município do Rio de Janeiro. De acordo com a profissional a dispensa a pedido ocorreu com vício de consentimento, ou seja, quando a vontade de uma das partes fica prejudicada durante acordo. Uma testemunha arrolada pela empregada revelou que, durante uma reunião, “os funcionários da HB foram chamados para que assinassem um documento sem falar nada sobre demissão”, e que a proposta feita era de que, ou “migravam para a nova empresa ou ficavam desempregados”.
Por sua vez, a prefeitura afirmou que o contrato com a HB Multisserviços foi celebrado obedecendo aos ditames da Lei Federal n° 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública. Segundo os termos do parágrafo primeiro, artigo n° 71 da Lei, “os entes públicos não ostentam responsabilidade pelas obrigações assumidas pelo contratado”. Além disso, nenhuma norma constitucional ou infraconstitucional é passível de invocação para afastamento do citado artigo. Segundo os representantes do município, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia afastado a responsabilização objetiva da Administração Pública ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n° 16, não declarando a “inconstitucionalidade de qualquer dos sentidos do artigo 71, § 1°, da Lei n° 8666/1993”.
Na 45ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, onde o caso foi julgado em primeira instância, o entendimento foi de que, embora o STF tenha reconhecido a constitucionalidade do dispositivo da Lei de Licitações que exclui a responsabilidade subsidiária do ente público por direitos trabalhistas, a jurisprudência evoluiu para estabelecer a responsabilidade apenas na hipótese de culpa “in vigilando” ou “in elegendo” na execução do contrato, ou seja, por falta de cuidado, diligência, vigilância, atenção, fiscalização ou atos necessários de segurança do agente no cumprimento de seu dever ou falta de cautela na escolha do preposto. Com isso, o município foi condenado, subsidiariamente, a arcar com o passivo não adimplido, devendo pagar à trabalhadora, com base na última remuneração (R$ 1.050,00), valor referente a aviso prévio indenizado, 13° salário e férias proporcionais, multa de 40% sobre os depósitos do FGTS e demais verbas trabalhistas. Inconformado, o ente público recorreu da sentença.
Ao analisar a responsabilidade do município, o relator do acórdão esclareceu que, embora o recurso extraordinário n° 760.931, julgado pelo STF, tenha fixado a tese de que o inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfira automaticamente ao Poder Público a responsabilidade pelo pagamento em caráter solidário ou subsidiário, ao tratar do ônus da prova da fiscalização dos contratos de terceirização a Suprema Corte não fixou tese de repercussão geral. “Isso é de suma importância para o deslinde da controvérsia, o STF manteve a possibilidade de responsabilização subsidiária do ente público pelos direitos dos empregados da empresa contratada, segundo a apuração, em cada caso, de vício, por parte da administração pública, na fiscalização do contrato de prestação de serviços (culpa in vigilando)”, explicou.
“In casu, o ente público nada provou acerca da fiscalização da empresa contratada quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas de seus empregados, se limitando a juntar, com a contestação, o contrato de prestação de serviços formalizado entre os reclamados, termos aditivos, termos de referência contratual e alteração contratual da primeira reclamada”, lembrou o desembargador relator.
O magistrado concluiu afirmando que a edição de Súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), como a de n° 331, que aponta a responsabilidade subsidiária do ente público caso se demonstre não ter fiscalizado a empresa prestador, pressupõe o exame exaustivo do tema, à luz de toda a legislação pertinente. “Descabe, assim, a alegação de que a responsabilidade subsidiária imposta vai de encontro ao disposto aos dispositivos legais e constitucionais mencionados no recurso”, decidiu o relator do acórdão, mantendo a sentença proferida em primeira instância.
Nas decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, são admissíveis os recursos enumerados no art. 893 da CLT.
PROCESSO nº 01000833-72.2019.5.01.0045 (RO)
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região