13/12/2023
DOU 12/12/2023 – Edição Extra-C
Institui a Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades.
O Presidente da República, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, caput, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 2º da Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006,
DECRETA:
Art. 1º Fica instituída a Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades, com o objetivo de ampliar a produção, o acesso, a disponibilidade e o consumo de alimentos adequados e saudáveis, priorizados os territórios periféricos urbanos e as populações em situação de vulnerabilidade e risco social.
Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:
I – território periférico ou periferia – porção do território urbano contínuo, cujo perímetro é delimitado por elementos urbanos, físicos ou culturais bem definidos, ocupado majoritariamente por população em situação de vulnerabilidade e risco social, que apresenta um ou mais setores caracterizados como assentamentos precários, com insuficiência de infraestrutura, equipamentos públicos, áreas livres e verdes, deficiência de redes de telefonia e conectividade, ou ausência de regularização fundiária;
II – populações em situação de vulnerabilidade e risco social – aquelas que, devido a condições econômicas e sociais, estão expostas ao processo de precarização de vida e de viver, que resulta na fragilização e na perda de vínculos familiares, comunitários e sociais e na insegurança alimentar e nutricional, considerada a perspectiva da interseccionalidade e abrangidos os povos e as comunidades tradicionais;
III – sistema alimentar circular – conjunto de elementos interligados, como o meio ambiente, as pessoas, os insumos, os processos, a infraestrutura, as instituições e as atividades relacionadas à produção, ao processamento, à distribuição, à preparação e ao consumo de alimentos, que busca proporcionar segurança alimentar e nutricional e priorizar a produção e o consumo de alimentos locais, adequados e saudáveis, de forma a:
a) reduzir as perdas e os desperdícios de alimentos e o impacto ambiental;
b) aproveitar os alimentos em sua totalidade; e
c) reduzir a geração de resíduos e utilizá-los como insumos em novos ciclos produtivos; e
IV – mercados territoriais – aqueles construídos pela interação entre indivíduos, organizações e agentes que:
a) dão identidade a um espaço específico, local, regional ou nacional, e que se encontram para efetivar trocas, realizar negócios, permutas e vendas, e compartilhar inovações sociais; e
b) abrangem a produção, a transformação, a distribuição, o acesso e o consumo para beneficiar produtores e consumidores por meio de fluxos de autoconsumo, trocas por reciprocidade ou comercialização.
Art. 3º São princípios da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades:
I – o direito humano à alimentação adequada;
II – a soberania e a segurança alimentar e nutricional;
III – o direito à cidade;
IV – a valorização da memória, da cultura e do patrimônio cultural dos territórios periféricos urbanos; e
V – a participação e o controle social.
Art. 4º São objetivos da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades:
I – aumentar o acesso, a disponibilidade e o consumo de alimentos adequados, saudáveis e seguros nas cidades;
II – reduzir as desigualdades em populações em situação de vulnerabilidade e risco social, considerada a interseccionalidade de fatores que aprofundam as iniquidades sociais;
III – contribuir para a redução da insegurança alimentar e nutricional e de todas as formas de má nutrição;
IV – fortalecer:
a) os sistemas alimentares saudáveis, sustentáveis e circulares, incluídos os sistemas agrícolas tradicionais; e
b) a governança de ações relacionadas à alimentação urbana e periurbana;
V – promover:
a) ambientes alimentares urbanos saudáveis e sustentáveis;
b) circuitos locais e regionais, da produção ao consumo de alimentos; e
c) sistemas integrados e sustentáveis de abastecimento alimentar;
VI – favorecer a circularidade de processos nas diferentes etapas de produção, distribuição, consumo e gestão de resíduos sólidos, considerada a integração rural e urbana; e
VII – fomentar:
a) a articulação e a inovação de ações, programas e estratégias em nível local que promovam a soberania alimentar;
b) as iniciativas da sociedade civil organizada nos territórios periféricos urbanos;
c) o desenvolvimento de cidades saudáveis e sustentáveis;
d) a adaptação e a mitigação da ação climática;
e) a participação ativa e informada das organizações e comunidades na concepção, na implementação e no monitoramento das ações; e
f) a cooperação horizontal entre as cidades que tenham aderido à Estratégia.
Art. 5º São eixos da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades:
I – oferta e disponibilidade de alimentos saudáveis nos equipamentos públicos e sociais de segurança alimentar e nutricional;
II – oferta e disponibilidade de alimentos saudáveis nos equipamentos públicos e privados de abastecimento;
III – promoção de ambientes alimentares urbanos que favoreçam a alimentação adequada e saudável;
IV – produção de alimentos saudáveis e sustentáveis nas cidades e em seu entorno;
V – redução das perdas e dos desperdícios de alimentos;
VI – educação alimentar e nutricional, comunicação e informação sobre alimentação adequada e saudável;
VII – articulação intersetorial entre as áreas de assistência social, segurança alimentar e nutricional e saúde, entre outras, com vistas à oferta de ações e serviços para famílias e pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional em âmbito local; e
VIII – apoio à Rede Urbana de Alimentação Saudável, a ser instituída por ato do Ministro de Estado do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, como mecanismo de mobilização, governança intersetorial e intergovernamental para o fomento da cooperação horizontal entre os entes federativos participantes da Estratégia.
§ 1º As ações da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades serão implementadas no âmbito:
I – do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, instituído pela Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006;
II – da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, instituída pelo Decreto nº 7.272, de 25 de agosto de 2010; e
III – da Política Nacional de Abastecimento Alimentar, instituída pelo Decreto nº 11.820, de 12 de dezembro 2023.
§ 2º A definição das ações a serem implementadas em cada eixo da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades será precedida de diagnóstico situacional do Município, a ser realizado pela gestão local com o apoio dos Estados e do Governo federal, de forma a atender às necessidades de cada cidade.
§ 3º As ações, no âmbito de cada eixo, poderão ser executadas por meio de contratos, convênios, acordos de cooperação, termos de execução descentralizada, termos de fomento, termos de colaboração, ajustes ou instrumentos congêneres, firmados com órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal, com organizações da sociedade civil organizada e organismos internacionais, inclusive consórcios públicos, e com entidades privadas, na forma prevista na legislação.
Art. 6º A Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades será executada pelos seguintes órgãos e pela seguinte entidade:
I – Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar;
II – Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome;
III – Ministério das Cidades;
IV – Companhia Nacional de Abastecimento – Conab; e
V – Ministérios integrantes da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional, conforme o disposto no art. 4º do Decreto nº 11.422, de 28 de fevereiro de 2023, que manifestem interesse em participar da Estratégia.
§ 1º A Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades será executada em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que haja adesão voluntária desses entes federativos, e com a sociedade civil.
§ 2º Poderão aderir à Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades, respeitadas as suas competências:
I – os entes federativos integrantes do SISAN, com suas instâncias em funcionamento; e
II – os Municípios que manifestem formalmente interesse na adesão ao SISAN, com a previsão em plano de ação elaborado no âmbito da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades.
§ 3º O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e o Ministério das Cidades, no âmbito de suas competências, observadas as disponibilidades orçamentárias, poderão, a qualquer tempo, realizar transferências voluntárias e definir critérios de priorização de Municípios para recebimento de recursos e de apoio técnico institucional.
Art. 7º A coordenação nacional da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades será realizada pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional, órgão colegiado de articulação e integração intersetorial dos órgãos relacionados às áreas de soberania e segurança alimentar e nutricional, sistemas alimentares e combate à fome, de que trata o Decreto nº 11.422, de 2023.
§ 1º O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional é a instância de controle social da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades, conforme o disposto no art. 11 da Lei nº 11.346, de 2006.
§ 2º A governança da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades em todos os entes federativos acontecerá no âmbito do SISAN, de acordo com o plano de ação elaborado para atender às necessidades locais reconhecidas na etapa do diagnóstico e por meio de indicadores apropriados.
Art. 8º No âmbito da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades, compete ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome:
I – disponibilizar:
a) ferramentas e instrumentos de apoio para a gestão das ações; e
b) plataforma para a troca de experiências;
II – promover:
a) a cooperação horizontal entre as cidades e os países; e
b) a articulação com ações e programas específicos afins ao Ministério, especialmente de segurança alimentar e nutricional;
III – produzir e sistematizar dados para apoiar a formulação, a implementação, o monitoramento e a avaliação da Estratégia;
IV – garantir a participação e o controle social em todas as etapas de implementação da Estratégia;
V – manter estratégia de educação permanente sobre temáticas relacionadas à agenda alimentar urbana;
VI – implementar e coordenar a Rede Urbana de Alimentação Saudável;
VII – fomentar parcerias e estudos sobre segurança alimentar e nutricional nas cidades com instituições de ensino e pesquisa;
VIII – prestar apoio técnico no planejamento, no diagnóstico situacional, na implementação, no monitoramento e na avaliação das ações da Estratégia; e
IX – apoiar com recursos financeiros, diante da disponibilidade orçamentária.
Art. 9º No âmbito da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades, compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar:
I – conciliar o abastecimento alimentar nas cidades com a Política Nacional de Abastecimento Alimentar;
II – promover a articulação com ações e programas específicos afins ao Ministério, especialmente de abastecimento alimentar;
III – fortalecer a produção de alimentos saudáveis pela agricultura familiar;
IV – compilar e analisar dados e informações relacionadas ao comércio de alimentos saudáveis nas cidades;
V – estimular a oferta de alimentos saudáveis nos equipamentos de abastecimento públicos e privados;
VI – prestar apoio técnico no planejamento, na implementação, no monitoramento e na avaliação das ações da Estratégia; e
VII – apoiar com recursos financeiros, diante da disponibilidade orçamentária.
Art. 10. No âmbito da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades, compete ao Ministério das Cidades:
I – mapear os territórios periféricos urbanos e identificar os territórios periféricos prioritários, em consonância com o Programa Periferia Viva;
II – promover a articulação com ações e programas específicos afins ao Ministério, especialmente aqueles destinados ao desenvolvimento urbano e metropolitano e à redução das desigualdades socio-territoriais em territórios periféricos urbanos;
III – apoiar estratégias de articulação de políticas públicas destinadas à produção, ao acesso, à disponibilidade e ao consumo de alimentos adequados e saudáveis em seus territórios de atuação;
IV – fortalecer iniciativas territoriais e comunitárias de produção, acesso, disponibilidade e consumo de alimentos adequados e saudáveis em territórios periféricos;
V – promover a integração das agendas alimentares urbanas e periurbanas com agendas e instrumentos de planejamento e gestão urbanos; e
VI – apoiar com recursos financeiros, diante da disponibilidade orçamentária.
Art. 11. No âmbito da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades, compete à Conab:
I – promover ações de abastecimento alimentar nas cidades, especialmente nas regiões em que residem populações em situação de vulnerabilidade e risco social;
II – executar as políticas públicas referentes:
a) ao abastecimento alimentar;
b) ao posicionamento de estoques;
c) à garantia e à sustentação de preços; e
d) a ações que possibilitem o acesso da população em situação de vulnerabilidade e risco social à alimentação saudável; e
III – coletar, sistematizar e divulgar dados, informações e conhecimentos, com vistas a facilitar o abastecimento alimentar.
Art. 12. Compete aos Estados e ao Distrito Federal, no que couber, na hipótese de aderirem à Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades:
I – apoiar:
a) os Municípios do seu território no diagnóstico, no planejamento, na implementação, na avaliação e no monitoramento das ações pactuadas;
b) os estudos de mapeamento de mercados territoriais nas regiões metropolitanas; e
c) as ações de educação permanente;
II – produzir e sistematizar dados para apoiar a formulação, a implementação e a avaliação da Estratégia;
III – garantir a participação e o controle social em todas as etapas de implementação da Estratégia; e
IV – contribuir para a cooperação horizontal entre os Municípios que aderirem à Estratégia.
Art. 13. Compete aos Municípios e ao Distrito Federal, no que couber, na hipótese de aderirem à Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades:
I – disponibilizar equipe técnica para a gestão e a implementação da Estratégia;
II – elaborar plano de ação de implementação da Estratégia;
III – promover a articulação e o compromisso intersetorial para o planejamento e a implementação das ações;
IV – produzir e sistematizar dados para a formulação, a implementação e a avaliação da Estratégia;
V – garantir a participação e o controle social em todas as etapas de implementação da Estratégia; e
VI – participar ativamente de todas as etapas da Estratégia, como planejamento, implementação, monitoramento e avaliação.
Art. 14. As despesas decorrentes do cumprimento do disposto neste Decreto correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas aos órgãos e às entidades participantes da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades com programas e ações, observados os limites de movimentação, de empenho e de pagamento da programação orçamentária e financeira anual, e recursos oriundos:
I – dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II – de entidades privadas sem conflito de interesses com a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional;
III – de doações, de qualquer natureza:
a) de pessoas físicas ou jurídicas residentes no País ou no exterior; e
b) de outras fontes de recursos compatíveis com o disposto na legislação, sem conflito de interesses com a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; e
IV – de emendas parlamentares.
Art. 15. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 12 de dezembro de 2023; 202º da Independência e 135º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Jader Fontenelle Barbalho Filho
Luiz Paulo Teixeira Ferreira
José Wellington Barroso de Araujo Dias