Ao apreciar pedido liminar apresentado pelo Governo do Estado para anular pontos do mais recente decreto municipal sobre regras relacionadas ao enfrentamento à Covid-19, o desembargador Cláudio Santos, do Tribunal de Justiça do RN, deferiu, parcialmente, o pedido formulado pelo Estado. A decisão mantém o toque de recolher, permite o funcionamento dos restaurantes das 11h à 22h, libera a venda de bebidas alcoólicas e autoriza o retorno das aulas presenciais. A decisão do desembargador equilibra a validade dos dois decretos, em um encontro de normas.
O Estado do Rio Grande do Norte requereu a concessão de liminar para suspender a eficácia dos termos do Decreto Municipal quanto aos dispositivos que confrontam com o Decreto estadual, que prevê a adoção do toque de recolher, a proibição de venda de bebidas, de reunião e eventos, e o funcionamento de barracas de praia. Já o Município requereu a manutenção da vigência do Decreto Municipal e o indeferimento da pretensão de urgência diante dos argumentos apresentados. Os dois entes públicos foram representados por suas procuradorias gerais.
Ao decidir sobre o caso, o magistrado ressaltou que os Procuradores do Estado e Município, o secretário estadual de Segurança Pública e a Secretaria Municipal de Defesa Social de Natal ficam desde já intimadas da decisão pela mídia (WhatsApp, Facebook, blogs, jornais, TVs, rádios, site do TJRN etc), devendo todos instruírem imediatamente as forças de segurança pública para observância rigorosa destas determinações, sob pena de imediata representação e comunicação ao Ministério Público, com a eventual ação para aplicação de sanções penais (crime de desobediência), administrativas (improbidade) e civil (indenizações pelos prejuízos que causaram a terceiros), sem prejuízo das intimações de estilo.
No entendimento do magistrado de segundo grau, o cenário pede ponderação e bom senso do Judiciário, com vistas a conciliar as medidas adotadas pelo Governo do Estado e pelo Município de Natal, a fim de se encontrar um ponto de equilíbrio que atenda o direito à vida, o direito ao trabalho, à dignidade da pessoa humana de prover por meio próprio seu sustento e de sua família, “pois os impactos, tanto sociais quanto econômicos, já estão sendo visualizados na prática e permanecerão por certo tempo em decorrência da pandemia, não sendo, ainda, sequer passíveis de mensuração”, observa o integrante do Pleno do TJRN.
O desembargador abordou cada ponto presente na discussão jurídica entre Estado e o Município de Natal. A seguir:
Toque de recolher
Em sua decisão, o desembargador Cláudio Santos mantém o toque de recolher estabelecido pelo Decreto Estadual: aos domingos e feriados, em horário integral; no demais dias da semana, das 22h às 5h da manhã do dia seguinte, “ressaltando que esse intervalo de 24h contribuirá para frear as relações interpessoais, proporcionando a diminuição de eventuais infecções em face das relações sociais”.
Funcionamento de bares e restaurantes
Fica permitido o funcionamento de restaurantes, pizzarias, lanchonetes, bares, food parks e similares: das 11h às 22h, todos os dias, com exceção do domingo; shopping centers, inclusive as praças de alimentação: das 9h às 22h, todos os dias, com exceção do domingo; aos domingos, fica permitido o horário de funcionamento até às 15h.
Vale ressaltar que o tempo entre 21h (horário estabelecido pelo Estado) e 22h (horário estabelecido pelo Município), apesar de “irrelevante”, atende à cultura local de sair para jantar e voltar até às 22h. Além disso, “não há nenhuma evidência de que horários mais curtos nos restaurantes possam minimizar a infecção por COVID, podendo, em contrapartida, até aumentar a densidade nesses locais”.
O responsável pelo estabelecimento deve assegurar o máximo de seis pessoas por mesa, bem como a distância mínima de 2 metros entre as pessoas de mesas diversas, com até 50% de ocupação da área disponível aos clientes.
Proibição de bebidas alcóolicas
A decisão mantém a liberação de venda de bebidas alcoólicas nos estabelecimentos elencados no tópico precedente, devendo o responsável pelo estabelecimento evitar a venda e o consumo excessivos. “Registre-se a ausência de evidência que justifique a crença de que a proibição de venda de bebidas alcoólicas possa modificar o quadro de eventual alastramento da pandemia”, observa o entendimento do magistrado. “Para os bares, restaurantes e similares, por exemplo, proibir a venda seria o mesmo que paralisar uma atividade econômica livre, o que é proibido pela Constituição”, acrescenta.
Funcionamento das Escolas
O desembargador decide neste item: “Mantenho a autorização do retorno das aulas presenciais, nos moldes previstos no Decreto Municipal, devendo os estabelecimentos de ensino, sempre que possível, alternar os turnos, diminuir a densidade em sala de aula e oferecer a alternativa de aulas online”.
Quanto aos demais dispositivos, Cláudio Santos mantém a vigência do Decreto Municipal que, “ao meu ver, complementa o Decreto Estadual, especificamente quanto às conveniências locais, ressaltando-se que o Ente Municipal, por ser o ente mais próximo à realidade local, é quem tem melhores condições de aferir suas especificidades epidemiológicas e posturas locais, ajudando a conciliar as medidas de combate à pandemia da COVID com as necessidade emergenciais do município”, frisa o magistrado.
Ele ressalta que, no caso de Natal, trata de cidade que depende diretamente e quase que exclusivamente do turismo, de forma que o tempo maior de funcionamento para restaurantes e bares, por exemplo, é crucial para manter essas atividades funcionando, inclusive com o acompanhamento de bebidas, que faz parte da cultura de restaurantes no mundo todo.
Alegações do Estado
O Estado do Rio Grande do Norte alegou no pedido que considerando a gravidade do atual momento de enfrentamento à pandemia, “com números alarmantes de ocupação dos leitos hospitalares das redes pública e privada de saúde estadual”, a governadora editou o Decreto 30.516, de 22 de abril de 2021, por meio do qual prorrogou as medidas restritivas, de caráter excepcional e temporário, destinadas ao enfrentamento da Covid-19.
Dentre as principais determinações do novo texto, destacam-se entre outras a “manutenção do toque de recolher, desta vez, das 22h às 5h do dia seguinte, de segunda a sábado, e em horário integral aos domingos e feriados”; a proibição de venda de bebidas alcoólicas para consumo interno em estabelecimentos comerciais e possibilitar o sistema híbrido de ensino nas escolas privadas no ensino fundamental, anos iniciais, e do 3º ano do ensino médio.
Alegações do Município
Em sua manifestação, o Município do Natal destaca que em seu Decreto “não tem toque de recolher; permitindo o funcionamento dos bares e restaurantes até às 22h, com a venda de bebidas alcóolicas; permite a liberação do ensino híbrido em todas as séries; e, a possibilidade das reuniões corporativas, sobretudo observando-se os protocolos sanitários, razão pela qual não há que se falar em eventos de massa corporativos, como equivocadamente apontou o Estado numa tabela anexa à exordial”.
“Como se vê, o Município do Natal não instituiu um liberou geral, de forma irresponsável, como de forma capciosa a exordial tentar induzir este Magistrado ao equívoco”, sustenta o Município em suas razões. Nelas, é salientado que a tomada de decisão do gestor da capital “foi alicerçada em reunião prévia do Comitê Científico Municipal, ocorrida na última sexta-feira”. E nessa reunião foi consignado que “diante do arrefecimento do segundo pico pandêmico, deveria haver uma flexibilização, sobretudo buscando-se um equilíbrio entre o enfrentamento da Pandemia e o setor produtivo, com uma flexibilização gradual e responsável”.
(Processo nº 0805113-35.2021.8.20.0000)
Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte