O Município de Niquelândia terá de pagar indenização por danos morais de R$ 20 mil a mãe de uma jovem de 18 anos que morreu em 2020, por impedi-la de realizar o velório e de aproximar do caixão da filha, que recebeu tratamento contra a Covid-19 e não de bronquite asmática, mesmo diante de quatro resultados negativos de detecção dessa doença pandêmica. A sentença é do juiz Liciomar Fernandes da Silva, em auxílio na comarca de Niquelândia (Decreto Judiciário nº 2.913/2021).
A mulher sustentou que desde os 15 anos sua filha apresentava sintomas de bronquite asmática, sendo tratada, desde então, pela rede pública de saúde, através do Hospital Municipal Santa Efigênia, em Niquelândia. Conta que a menina deu entrada nesta unidade de saúde em 2 de julho de 2020 com os sintomas de bronquite asmática, já tratados várias outras vezes no mesmo local, e, portanto, de conhecimento dos profissionais de saúde.
Alega que desde a entrada no hospital, sua filha recebeu tratamento apenas para combater o vírus da Covid-19, mesmo após realizar três exames da doença, com resultado negativo. Afirma que após dias de internação e já em estado grave, ela foi transferida para o Hospital de Campanha de Goiânia, onde fez, pela quarta vez, o exame para a Covid-19, com resultado novamente negativo. Disse que a moça não resistiu e veio a óbito no dia 4 de julho de 2020, em decorrência de complicações asmáticas. A mulher destacou, ainda, que mesmo com todos os exames que descartaram a presença do vírus, o Município de Niquelândia a impediu de realizar o velório e de se aproximar do caixão, impossibilitando-a de se despedir da filha.
O Município de Niquelândia informou nos autos que no momento do falecimento da moça não possuía decreto regulamentando a matéria, vez que seguia as recomendações do Manual de Manejo de Corpos no contexto do Coronavírus, do Ministério da Saúde, “sendo necessário seguir as recomendações para que não houvesse disseminação da doença”.
O juiz Liciomar Fernandes observou que o manual em questão se refere à adoção de tais medidas aos casos suspeitos e/ou confirmados da doença, o que não era o caso da vítima. “Ainda que estivesse acometida pela doença, a cerimônia de velório e sepultamento ainda assim autorizados, uma vez observadas as recomendações”. Para ele, não havia óbice que a família pudesse realizar o velório. “Bastava o cuidado e a adoção de medidas preventivas para que fossem respeitadas as orientações do manual de Manejo de Corpos, no contexto da doença causada pelo Coronavírus Sars-Cov-2 (Covid-19), resguardando o direito da família do que seria o último adeus, mas a dor da família foi tratada sem qualquer cuidado e humanidade. Afinal de contas é assim que o Poder público vê o cidadão neste caso, o inimigo do Estado”.
Estatística cruel do descaso
O magistrado ponderou que em momento algum a paciente foi diagnosticada com o vírus da Covid-19 e, entretanto, foi tratada o tempo todo com protocolo do coronavírus, ou seja, apenas mais uma na estatística cruel do descaso. O Estado inoperante e omisso, desarranjado”. Liciomar Fernandes ressaltou que a ficha de identificação da moça emitida pelo Hospital Municipal Santa Efigênia pontua que assim que ela chegou na unidade, a conduta tomada foi a sua internação, assim como a medicação de Ivermectina, Azitromicina e Dipirona. “Desse relatório, verifico que a partir desse momento, uma série de condutas errôneas foram tomadas que resultaram na morte da paciente”, aduziu o juiz.
Para ele, restou incontroverso que a moça não estava acometida com o vírus, fato comprovado por quatro exames específicos. “Verifico, portanto, que o Hospital Municipal Santa Efigênia agiu no mínimo com falta de zelo e cuidado ao adotar apenas protocolos de Covid-19 a uma paciente que sequer estava com tal patologia, sem falar, é claro, também da incompetência do Hospital de Campanha para Enfrentamento de Coronavírus de Goiânia”. Processo nº 5356727-43.2020.8.09.0113.