Município de Patrocínio pagará R$ 500 mil por não tomar medidas contra trabalho infantil na cidade.

O município de Patrocínio, localizado no Triângulo Mineiro, terá que tomar uma série de medidas para combater o trabalho infantil na cidade. A decisão é do juiz titular da Vara do Trabalho de Patrocínio, Sérgio Alexandre Resende Nunes, nos autos da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra o município. Além disso, os julgadores da Sétima Turma do TRT mineiro, acompanhando o voto do relator, juiz convocado Márcio Toledo Gonçalves, condenaram o município ao pagamento de uma indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 500 mil.

O órgão ministerial alegou que o Diagnóstico Intersetorial Municipal, elaborado pela OIT e pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, revelou dados preocupantes do município de Patrocínio, em relação à quantidade de casos de trabalho infantil e de crianças e adolescentes que não frequentam a escola ou que estão ocupados no trabalho doméstico.

Sustentou ainda que o município se recusou a firmar um termo de ajustamento de conduta (TAC), sob o argumento de que “já executa ações estratégicas de combate ao trabalho infantil”. Porém, segundo o MPT, não provou a adoção de políticas públicas de combate e erradicação do trabalho infantil.

O órgão afirmou também que não viu alternativa, a não ser a propositura da ação civil pública, “diante da inércia do município de Patrocínio e do prefeito, aliada à inexistência de políticas públicas suficientes e eficazes de prevenção e erradicação do trabalho infantil”. Por isso, além das obrigações de fazer, pediu a condenação do ente público ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.

Já o município apresentou defesa, arguindo a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar o caso. Alegou ainda que o MPT tenta interferir na competência do Poder Executivo, na previsão orçamentária e na viabilidade da gestão administrativa, e que não há, nos autos do processo, qualquer comprovação de que o município de Patrocínio estava consentindo com o trabalho de menores.

Informou também que as atividades de combate e erradicação do trabalho infantil na cidade têm sido desenvolvidas dentro das possibilidades disponíveis para alcançar o maior número de usuários. Por fim, afirmou que não houve dano moral coletivo, pois inexistiu transgressão a qualquer garantia ou direito fundamental coletivo.

Mas, ao decidir o caso, o juiz esclareceu que é pacífico, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, “em situações excepcionais, o Poder Judiciário pode determinar que a administração pública adote medidas assecuratórias das políticas públicas previstas na Constituição, sem que isso configure violação ao princípio da separação de poderes”.

Conforme salientou o magistrado, a Constituição Federal proíbe expressamente o trabalho infantil, erigindo, desse modo, as políticas públicas de combate à exploração de crianças e adolescentes em condição essencial para a concretização da dignidade da pessoa humana. “Essa diretriz constitucional não pode, evidentemente, se subordinar aos juízos ordinários de conveniência ou oportunidade. Por essa razão, configura verdadeiro limite à discricionariedade do governo municipal, ao qual é vedado frustrar, com a sua inércia ou omissão, a decisão do poder constituinte”.

Por outro lado, destacou na decisão que a falta de recursos financeiros não pode também ser invocada pelo poder público como obstáculo à implementação das políticas públicas de envergadura constitucional. No caso dos autos, o magistrado ressaltou que os próprios termos da contestação revelam que o município não adota políticas públicas de prevenção e erradicação do trabalho infantil, limitando-se, ao contrário, “a realizar o trabalho de conscientização nas escolas e a oferecer atividades de lazer”.

“A meu ver, as diversas obrigações de fazer postuladas na petição inicial revelam-se adequadas e proporcionais ao elevado propósito de combater o trabalho infantil, devendo, portanto, ser acolhidas”, reforçou.

Assim, o magistrado condenou o município a cumprir as seguintes obrigações, sob pena de multa de R$ 10 mil por determinação descumprida:

A – Garantir, no próximo Orçamento Municipal, e nos que lhe sucederem, verbas suficientes para implementação do(s) programa(s) municipal(is) de erradicação do trabalho infantil e regularização do trabalho do adolescente no município, adotando as medidas necessárias para a inclusão no Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual do Município;

B) Elaborar, no prazo de 90 dias, bem como atualizar, anualmente, a partir de 2021, diagnóstico do trabalho infantil no município, identificando todas as crianças e adolescentes encontrados em situação de trabalho proibido, com coleta de dados suficientes para a visualização da situação de cada um deles;

C) Elaborar, no prazo de 90 dias, bem como rever, periódica e, no mínimo, anualmente, a partir de 2021, agenda intersetorial de erradicação do trabalho infantil entre os órgãos integrantes do sistema de garantia de direitos (CRAS, CREAS, Conselhos Tutelares, Secretaria Municipal de Assistência Social, Secretaria Municipal de Educação, Esporte, Turismo, Saúde, Administração, entre outros órgãos), que contemple, entre outras ações, a elaboração de fluxo de atendimento específico para situações de trabalho infantil (neste incluído trabalho nas ruas, doméstico e exploração sexual comercial);

D) Promover, inicialmente, no prazo de 90 dias, e, após, periodicamente, pelo menos uma vez por ano, a capacitação de todos os profissionais dos órgãos e entidades do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA);

E) Promover, periodicamente, pelo menos três vezes por ano, campanhas de conscientização da população em geral, quanto aos dispositivos de lei que proíbem a exploração do trabalho infantil;

F) Realizar, periodicamente e, pelo menos uma vez por mês, em parceria com as entidades da sociedade civil e demais entes ou órgãos públicos, tais como Conselho Tutelar e técnicos da Assistência Social, da Educação e do Programa Saúde da Família, e ainda, professores das escolas, ações de busca ativa/abordagem voltadas para a identificação e o resgate de crianças e adolescentes exploradas no trabalho;

G) Realizar, periodicamente, e, pelo menos uma vez por mês, ações de fiscalização ostensiva para impedir o trabalho de crianças e adolescentes em lixões, se existirem no município.

H) Proceder, imediata e constantemente, ao resgate/cadastro das crianças e adolescentes, encontrados em situação de trabalho, e de suas famílias, para efeito de inclusão em programas sociais do município e cadastramento no Cadastro Único do Governo Federal.

I) Promover, imediata e constantemente, ações de acompanhamento das famílias das crianças e adolescentes identificados em situação de trabalho proibido;

J) Oferecer, diária e regularmente, atividades esportivas, culturais, lúdicas, de convivência e/ou de reforço escolar no contraturno para, no mínimo, 10% dos alunos regularmente matriculados nas escolas municipais.

L) Implementar, no prazo de 180 dias, o Projeto Nacional do MPT intitulado – “Resgate a Infância” – Eixo Educação (Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente – Anexo II)” – ou projeto criado pelo próprio município que seja equivalente, devendo, em ambos os casos, contemplar todas as escolas da rede municipal.

M) Instituir, no prazo de 90 dias, programa de aprendizagem profissional destinado a adolescentes de 14 a 17 anos, resgatados ou encontrados em situação de trabalho irregular, por meio de parcerias com entidades formadoras.

N) Implementar, no prazo de 90 dias, programa de Aprendizagem Profissional no âmbito dos órgãos da Administração Pública Municipal, voltado especialmente para adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

Quanto ao pedido de indenização por dano moral coletivo, o juiz entendeu que inexiste comprovação de que a ausência de políticas públicas efetivas tenha causado danos à dignidade das crianças e adolescentes do município. Por isso, julgou improcedente esse pedido.

Entretanto, os julgadores da Sétima Turma do TRT de Minas deram provimento parcial ao recurso do MPT para condenar o réu ao pagamento de reparação por dano moral coletivo, no valor de R$ 500 mil.

De acordo com a decisão, a quantia deve ser revertida para projetos, órgãos públicos ou entidades beneficentes da região abrangida pela circunscrição da Vara do Trabalho de Patrocínio e/ou região da área de atribuição de atuação da Procuradoria do Trabalho de Patos de Minas, Fundo Municipal da Infância e da Adolescência (FIA), ao Fundo Especial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (Funemp), objetivando a reconstituição dos bens lesados, com existência e atuação devidamente comprovadas no processo.

O relator no processo, juiz convocado Márcio Toledo Gonçalves, frisou que é errônea a compreensão de que o trabalho infantil retiraria as crianças das ruas e da “malandragem”. Na percepção do magistrado, o trabalho infantil, na verdade, gera um círculo vicioso de pobreza, uma vez que a criança pobre que atualmente trabalha será um adulto mal-empregado ou até mesmo desempregado, pela falta de escolaridade e profissionalização. “Certo é que, em grande parte, o problema do trabalho infantil decorre da omissão do Estado brasileiro – União, Estados e Municípios – em estabelecer e adotar políticas públicas direcionadas à infância e à juventude”, finalizou.

Processo

PJe: 0010312-82.2020.5.03.0080 (ACPCiv)

Fonte: TRT3