A prestação de serviços a ente público de forma irregular (sem licitação) exime o referido órgão do pagamento dos supostos serviços prestados. Este foi o entendimento de sentença proferida pela 3ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos de Campo Grande, que julgou improcedente ação movida por uma empresa contra fundação de saúde pública, na qual a autora se dizia credora da quantia de quase R$ 103 mil referentes ao fornecimento de kits para diálise a pacientes de um hospital público.
Para fundamentar a negativa do pedido, a sentença citou que a Constituição Federal e a legislação em vigor são expressas ao determinar a necessidade de realização prévia de licitação para que a administração pública contrate um particular para prestar serviços. E assim, ao agir de forma contrária, isso implicaria na ofensa dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e isonomia, de modo que acolher o pedido da autora seria incorrer em dano ao patrimônio público, isto porque não foi realizado procedimento licitatório regular.
Em sua petição inicial, a empresa autora alegou que é empresa renomada no ramo hospitalar, estando presente em mais de 120 países e que fabrica e comercializa máquinas de hemodiálise e demais equipamentos médicos para hemofilia e doença renal.
Afirma que, entre seus produtos, fornece à fundação de saúde pública ré um kit de diálise peritoneal (CAPD/DPA) instalado no abdômen dos pacientes, promovendo a limpeza contínua das toxinas do organismo.
Defende que, com base nas prescrições médicas que lhe são encaminhadas por meio eletrônico, fornece os kits de CAPD/DPA aos pacientes atendidos pela ré, inclusive entregando os kits diretamente aos pacientes em suas residências e realiza o faturamento em nome do hospital, formando-se uma relação de compra e venda, de modo que é credora do valor de R$ 102.948,33, pedindo assim que a ré seja condenada a lhe pagar o valor devido.
Em contestação, a fundação de saúde alegou que não reconhece o montante cobrado, pois a empresa autora não comprovou o amparo legal das despesas, bem como não provou que a entrega dos kits foi precedida de qualquer empenho como determina a lei, lembrando que em matéria de despesas públicas é necessário haver regular contratação e empenho prévio à posterior liquidação de despesas.
Argumentou também que a nota de empenho pressupõe vencidas todas as fases anteriores da execução das despesas. Além disso, ressaltou que nos autos não há provas relacionadas às prescrições médicas com as despesas constantes nas notas fiscais e que os documentos juntados não demonstram que são efetivamente de pacientes do hospital público. Desse modo, pediu que a ação fosse julgada improcedente.
Conforme analisou o juiz Ricardo Galbiati, a empresa autora firmou contrato com a ré em 31 de julho de 2009, com vigência de um ano, o qual foi prorrogado por meio de três termos aditivos, sendo que o último termo aditivo estipulou a prorrogação do contrato até 30 de julho de 2013.
Observou também que no dia 12 de julho de 2013 a ré encaminhou à autora ofício solicitando manifestação por escrito quanto ao interesse da empresa na prorrogação do contrato por mais três meses e por igual valor, sendo que a ré respondeu no dia 1º de agosto de 2013, que não seria possível a prorrogação do contrato, por ausência de amparo legal, tendo em vista que, para continuar fornecendo os kits seria necessário regularizar a situação com o órgão, por meio de nova licitação ou uma dispensa de licitação para compra emergencial.
Todavia, em réplica, a autora afirmou que o contrato foi prorrogado de forma verbal a partir de julho de 2013. No entanto, continuou o juiz, “de acordo com os ofícios encaminhados, a autora tinha conhecimento da irregularidade nas prorrogações sucessivas, manifestando seu entendimento de que não seria possível uma nova prorrogação por falta de previsão na Lei de Licitações”.
Sobre a referida lei, o juiz cita que esta veda a formalização de contrato por prazo indeterminado, bem como sua prorrogação somente pode ocorrer em situações excepcionais e de forma justificada. “No caso em tela, verifica-se que a autora tem conhecimento do prazo final do contrato administrativo e da necessidade que a Administração Pública tem de realizar nova licitação. A manutenção de um contrato expirado viola os princípios da Administração Pública e da Licitação”, destacou o magistrado.
“Ainda que se prove a realização do serviço, participou de uma contratação ilegal da qual não pode sequer alegar desconhecimento, uma vez tem conhecimento que o contrato não poderia mais ser renovado, sob pena de violação da Lei de Licitações e, portanto, não pode pretender receber pela prestação irregular de serviços”, finaliza o magistrado.
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul