RESOLUÇÃO CNDH Nº 5, DE 12 DE MARÇO DE 2020.

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Dispõe sobre Diretrizes Nacionais para uma Política Pública sobre Direitos Humanos e Empresas.

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH, no exercício das atribuições previstas no art. 4º da Lei nº 12.986, de 02 de junho de 2014 e dando cumprimento à deliberação tomada, de forma unânime, em sua 56ª Reunião Plenária, realizada nos dias 11 e 12 de março de 2020,

Considerando que a Constituição Federal de 1988 tem como princípio a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (Art. 1º), cujos objetivos fundamentais são construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º);

Considerando que a Constituição Federal de 1988 lista como fundamental o direito ao meio ambiente equilibrado, no qual se inclui o do trabalho, sendo dever de todos defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações;

Considerando que o Objetivo 8 de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas versa sobre a necessidade de promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos;

Considerando que o conceito de trabalho decente formalizado pela OIT na 87ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho (1999) engloba a promoção de oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável;

Considerando que o Brasil reconhece a existência e participa do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, órgão subsidiário da Assembleia Geral das Nações Unidas, que aprovou, em 6 de julho de 2011, mediante Resolução 17/4, os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos e que o Estado brasileiro se comprometeu junto aos demais países membros do Conselho a adotar esses princípios em seu âmbito interno;

Considerando que o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou, em 14 de julho de 2014, a Resolução 26/9 criando um Grupo de Trabalho Intergovernamental, com a participação de organizações da sociedade civil, cujo objetivo será o de elaborar um documento vinculante que regulamente, no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, as atividades de empresas multinacionais e outras atividades empresariais;

Considerando que o Brasil é signatário do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto nº 591/1992), que reconhece o direito dos povos à autodeterminação e, em virtude deste direito, de determinar livremente seu estatuto político e assegurar livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural, bem como o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis;

Considerando a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, ratificada pelo Brasil no Decreto 678/1992, especialmente no que se refere ao direito à vida e à integridade pessoal (artigos 4 e 5), às garantias judiciais de acesso à justiça (artigos 8 e 25), à proibição da escravidão e da servidão (artigo 6), à proteção da honra e da dignidade (artigo 11), e ao desenvolvimento progressivo (artigo 26).

Considerando que o Brasil é um dos fundadores da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e que a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT estabelece como princípios fundamentais: a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, a abolição efetiva do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação;

Considerando que o Brasil é parte da Declaração Tripartite de Princípios sobre as empresas multinacionais e a Política Social da OIT (criada em 1977 e modificada em 2000, 2006 e 2017) que incorporou sua última alteração em 2017, elementos decisivos sobre trabalho decente nas cadeias globais de produção como no emprego, formação e nas condições de trabalho e de vida e nas relações de trabalho;

Considerando que a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho foi ratificada e incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto Federal nº 5.051/2014 e prevê, em seu art. 6.1, alínea “a”, a obrigação do Estado de consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente, e em seu artigo 7.1 que os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural e em seu artigo 20, medidas de proteção ao trabalho dos povos interessados, incluindo a igualdade, a informação, a não submissão a condições perigosas para a sua saúde, a sistemas de contratação coercitivos e a acossamento sexual;

Considerando o imperativo de se proteger a biodiversidade e o respeito aos povos indígenas e à preservação de suas terras, cultura e tradições, assegurando-lhes a plenitude dos Direitos Humanos, previstos, tanto na Constituição Federal de 1988, quanto nos tratados de Direitos Humanos e Declarações assinadas pelo Brasil, garantindo-lhes, ainda, o aparato institucional de proteção necessária para a fruição de seus direitos;

Considerando que a Constituição Federal de 1988 veda a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes (art. 5º, III) e o trabalho escravo (art. 5º, LXVII, art. 243) e que o art. 149 do Código Penal Brasileiro e as Convenções nº 29 e nº 105 da Organização Internacional do Trabalho proíbem a submissão de trabalhadores e trabalhadoras a condições análogas às de escravo, nas quais se incluem o trabalho forçado, a jornada exaustiva, a servidão por dívida e as condições degradantes;

Considerando que o Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), produzido a partir das deliberações da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, instituído pelo Decreto nº 7.037 de 21 de dezembro de 2009 e atualizado pelo Decreto nº 7.177 de 12 de maio de 2010, busca assegurar, em sua Diretriz 5, Objetivo estratégico I, a garantia da participação e do controle social nas políticas públicas de desenvolvimento com grande impacto socioambiental e, dentre suas ações programáticas, está: f. definir mecanismos para a garantia dos Direitos Humanos das populações diretamente atingidas e vizinhas aos empreendimentos de impactos sociais e ambientais e objetivo estratégico; e Objetivo estratégico II. a afirmação dos princípios da dignidade humana e a equidade como fundamentos do processo de desenvolvimento nacional, e dentre as ações programáticas descritas, estão: c) instituir código de conduta em Direitos Humanos para ser considerado no âmbito do Poder Público como critério para a contratação e financiamento de empresas; e) ampliar a adesão de empresas ao compromisso de responsabilidade social e Direitos Humanos;

Considerando que o PNDH -3 prevê a promoção de um sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo, para o conhecimento, a garantia e a defesa dos direitos (diretriz 17) e traz entre os objetivos estratégicos: I. o acesso da população em relação aos seus direitos e como garanti-los, elencando como meios para tanto: b) fortalecer as redes de canais de denúncia (disque-denúncia) e sua articulação com instituições de Direitos Humanos; II. a garantia do aperfeiçoamento e monitoramento das normas jurídicas para proteção dos Direitos Humanos, elencando como meios para tanto: b) aperfeiçoar o sistema de fiscalização de violações aos Direitos Humanos, por meio do aprimoramento do arcabouço de sanções administrativas; c) ampliar equipes de fiscalização sobre violações dos Direitos Humanos, em parceria com a sociedade civil; f) aperfeiçoar a legislação trabalhista, visando ampliar novas tutelas de proteção das relações do trabalho e as medidas de combate à discriminação e ao abuso moral no trabalho;

Considerando que o PNDH -3 prevê a promoção dos direitos de crianças e adolescentes para seu desenvolvimento integral, de forma não discriminatória, assegurando seu direito de opinião e participação (diretriz 8) e traz, entre seus objetivos estratégicos: IV. O enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, elencando como meios para tanto: e) estimular responsabilidade social das empresas para ações de enfrentamento da exploração sexual e de combate ao trabalho infantil em suas organizações e cadeias produtivas;

Considerando o preceito constitucional do princípio do acesso à justiça (artigo 5º – XXXV), que impede que a lei exclua da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, bem como as Regras de Brasília sobre acesso à justiça das pessoas em condições de vulnerabilidade, elaboradas em 2008 durante a Cúpula Judicial Iberoamericana como uma declaração de garantia efetiva aos direitos humanos;

Considerando a eficácia horizontal dos direitos humanos e os objetivos fundamentais da República previstos no art. 3º da Constituição Federal de 1988 que vinculam todo o povo brasileiro na construção de uma sociedade livre, justa e solidária;

Considerando o disposto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4657/42, art 20, nas esferas administrativa controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão), com destaque para as implicações sobre direitos humanos;

Considerando que a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto nº 6.040/2007) reconhece e consolida os direitos dos povos e comunidades tradicionais garantindo seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, em diferentes biomas e ecossistemas, em áreas rurais ou urbanas;

Considerando que o Brasil é signatário do Estatuto de Roma, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002, e que a Procuradoria do Tribunal Penal Internacional publicou, em 2016, documento de trabalho reconhecendo que dará especial atenção ao julgamento de crimes do Estatuto de Roma cometidos por meio de, ou que resultem, entre outros, na destruição do meio ambiente, na exploração ilegal de recursos naturais ou na desapropriação ilegal de terras;

Considerando que o Estado brasileiro é signatário da Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que traz uma mudança de paradigma sobre o desenvolvimento econômico, social e ambiental, e que especificamente o Objetivo 8 apresenta diretrizes com vistas a promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos;

Considerando o Relatório da Comissão Especial “Atingidos por Barragens” do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, de 2010, transformado em Conselho Nacional dos Direitos Humanos pela Lei 12.896 em 2014, que em suas considerações gerais garante a preservação dos direitos humanos dos atingidos por barragens, estendendo o escopo para o conceito de atingidos por grandes empreendimentos, que abrange os grupos sociais, comunidades, famílias e indivíduos impactados não apenas pela implantação das obras diretas associadas ao grande empreendimento, mas também pelas demais intervenções dele decorrentes;

Considerando o que já foi exposto por este Conselho na Recomendação nº 4, de 26 de abril de 2017, a respeito do retrocesso social e da retirada de direitos de trabalhadores e trabalhadoras representados pela Reforma Trabalhista;

Considerando que a implementação da referida reforma e da Lei nº 13.429/2017 (terceirização) tem como impacto o crescimento da precarização social do trabalho, a regressão dos direitos do trabalho, o crescimento da informalidade e do emprego precário, conforme fica demonstrado pelos resultados da PNAD contínua de setembro/2019;

Considerando que o projeto de Lei nº 22/2019-CN apresentado pelo Governo Federal, que institui a Lei Orçamentária Anual para o exercício de 2020, propõe a redução de 63% do orçamento destinado à fiscalização de obrigações trabalhistas e inspeção em segurança e saúde no trabalho, favorecendo a impunidade de empresas que violam direitos do trabalho;

Considerando que o Brasil ocupa a 4ª colocação no ranking da OIT de mortes por acidente de trabalho e que a revisão das Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho imposta pelo governo federal poderá implicar num aumento significativo da insegurança e consequente crescimento dos índices de adoecimento, acidentes e mortes no trabalho;

Considerando a necessidade de aperfeiçoar mecanismos de prevenção e responsabilização de empresas por violações de Direitos Humanos, bem como a necessidade de se observar sempre a centralidade do sofrimento da vítima nos processos que versem sobre violações de Direitos Humanos;

Considerando o crescente risco à atividade de defensores e defensoras de Direitos Humanos no Brasil, que se verifica na alta taxa de homicídios cometidos contra as pessoas que, de forma individual ou coletiva, lutam pelos Direitos Humanos em suas mais variadas formas;

Considerando que, no âmbito do sistema global, o Brasil é signatário do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, internalizado pelo Decreto nº 592/92, o qual estabelece o ideal da igualdade em seu art. 2º, proibindo qualquer espécie de discriminação. Haja vista tratar-se de cláusula aberta, e por ser consectário do ideal de igualdade, qualquer tipo de discriminação é vedada, envolvendo as questões de gênero, raça, religião, pessoa com deficiência, dentre outras; ainda, tendo como referência os Princípios de Yogyakarta, em especial o que diz que: “Toda pessoa tem o direito ao trabalho digno e produtivo, a condições de trabalho justas e favoráveis e à proteção contra o desemprego, sem discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero”;

Considerando as diversas denúncias de violações de direitos humanos por empresas recebidas por este Conselho, que abrangem todo o país, bem como pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, reconhecida pelo Brasil por meio da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969;

Considerando as recomendações do 3º Ciclo da Revisão Periódica Universal dirigidas ao Brasil;

Considerando as recomendações do Grupo de Trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Empresas e Direitos Humanos ao Brasil, aprovadas durante a 32ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, após realização de visita oficial ao país pelo Grupo citado entre os dias 07 e 16 de dezembro de 2015;

Considerando a Nota Técnica nº 7/2018 da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão que versa sobre a Proteção e Reparação de Direitos Humanos em Relação às Atividades Empresariais;

Considerando os Enunciados aprovados em 24 de abril de 2019 pela Comissão Permanente do Meio Ambiente – COPEMA do Grupo Nacional de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União, em especial o Enunciado 14 que indica que o MPB deve considerar os rompimentos de barragens com consequências socioambientais e socioeconômicas significativamente danosas como graves violações de direitos humanos internacionais, nos termos da Convenção Americana de Direitos Humanos, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e outros tratados internacionais;

Considerando a necessidade de complementação e aprimoramento das Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos aprovadas por meio do Decreto nº 9.571, de 21 de novembro de 2018;

Considerando as conclusões advindas do Seminário Interativo de Formação – Direitos Humanos e Empresas, organizado pelo Grupo de Trabalho Direitos Humanos e Empresas, da Comissão Permanente dos Direitos ao Trabalho, à Educação e à Seguridade Social do Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH, realizado em 13 de agosto de 2019.

Considerando as conclusões advindas da reunião conduzida pelo Grupo de Trabalho Direitos Humanos e Empresas, da Comissão Permanente dos Direitos ao Trabalho, à Educação e à Seguridade Social do Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH, realizada no dia 11 de novembro de 2019, na ocasião do VI Seminário Internacional de Direitos Humanos e Empresas, resolve:

CAPÍTULO I

DIRETRIZES GERAIS

Art. 1º Esta resolução dispõe sobre diretrizes nacionais sobre direitos humanos e empresas e tem por destinatários os agentes e as instituições do estado, inclusive do sistema de justiça, bem como as empresas e instituições financeiras com atuação no território nacional e empresas brasileiras que atuam no âmbito internacional, tendo como objetivo orientar e auxiliar na aplicação de normas nacionais e internacionais de proteção dos Direitos Humanos, em particular os direitos econômicos, sociais, culturais, civis, políticos, laborais, o direito ao desenvolvimento, ao trabalho decente, à autodeterminação e a um meio ambiente equilibrado, incluindo o do trabalho, bem como todos os direitos dos povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais.

§ 1º Os Direitos Humanos são universais, indivisíveis, inalienáveis e interdependentes e o Estado tem o dever de assegurar os instrumentos para sua aplicação;

§ 2º Os Direitos Humanos devem ter supremacia sobre quaisquer acordos de natureza econômica, especialmente os instrumentos jurídicos de comércio e investimento;

Art. 2º O Estado é responsável por promover, proteger, respeitar e aperfeiçoar os mecanismos de prevenção e reparação de Direitos Humanos violados no contexto de atividades empresariais, devendo adotar todas as medidas jurídicas e políticas necessárias para assegurar a responsabilidade civil, administrativa, trabalhista e criminal das empresas envolvidas em violação de Direitos Humanos;

§ 1º O Estado deve assegurar o pleno acesso à justiça, em igualdade de condições, às pessoas e comunidades atingidas por violações de Direitos Humanos cometidas por empresas;

§ 2º A atuação do Estado deve ser orientada à solução pacífica e definitiva dos conflitos, primando pelo princípio da centralidade do sofrimento da vítima, que impõe a participação ativa das pessoas e comunidades atingidas na elaboração dos mecanismos de compensação e prevenção, com vistas a evitar que a violação ocorra novamente;

§ 3º O critério de reconhecimento de pessoas atingidas por violações de Direitos Humanos obedecerá prioritariamente ao princípio da autodeclaração, podendo ser qualquer pessoa ou comunidade que apresentar indícios de dano, ou risco de dano, direta ou indiretamente pelas operações, produtos ou serviços de uma empresa, sendo vedada a delimitação dos atingidos pela empresa violadora;

§ 4º Caso a empresa opere em mais de um Estado nacional ou faça parte, ou seja, controlada por um grupo empresarial que opere em mais de um Estado nacional, os atingidos e atingidas serão considerados em toda a sua cadeia produtiva;

§ 5º O Estado deve assegurar a eficácia dos instrumentos legais para acesso à informação que sejam úteis à prevenção, apuração ou reparação de violações aos Direitos Humanos;

Art. 3º As empresas nacionais e transnacionais são responsáveis pelas violações de Direitos Humanos causadas direta ou indiretamente por suas atividades.

§ 1º A responsabilidade pela violação se estende por toda a cadeia de produção, incluída a empresa controladora, as empresas controladas, bem como os investidores públicos e privados, incluídas as instituições econômicas e financeiras internacionais e entidades econômicas e financeiras nacionais que participem investindo no processo produtivo;

§ 2º O controle pulverizado, sem a figura do acionista ou bloco de controle, não pode, em nenhuma hipótese, ser utilizado como argumento para eliminar ou minimizar a responsabilidade de uma empresa ou grupo pelas violações de Direitos Humanos decorrentes de suas atividades;

§ 3º As empresas devem adotar mecanismos de controle, prevenção e reparação capazes de identificar e prevenir violações de Direitos Humanos decorrentes de suas atividades, sem prejuízo de sua responsabilidade caso tais violações venham a ocorrer;

Art. 4º As pessoas e comunidades atingidas por violações de Direitos Humanos cometidas por empresas, bem como trabalhadores, trabalhadoras, cidadãos e cidadãs, coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e organizações que atuem na perspectiva de luta por direitos não podem sofrer qualquer tipo de criminalização ou perseguição.

CAPÍTULO II

DOS EIXOS

Art. 5º São eixos orientadores das Diretrizes Nacionais sobre Direitos Humanos e Empresas:

I – a supremacia dos Direitos Humanos frente a quaisquer acordos de natureza econômica, de comércio, de serviços e de investimento;

II – a obrigação do Estado com a implementação de medidas de prevenção e reparação que coíbam violações de Direitos Humanos no exercício da atividade empresarial, assim como a obrigação de proteção aos Direitos Humanos, exigindo que as corporações respeitem esses mesmos direitos no exercício de suas funções, garantindo, ainda, mecanismos de reparação integral aos atingidos e atingidas em caso de ocorrência de violações de Direitos Humanos;

III – a obrigação das empresas de efetuarem medidas que coíbam violações de Direitos Humanos no exercício de suas atividades, abarcando toda a sua cadeia de produção, assim como a observância obrigatória de direitos e garantias fundamentais, previstos no ordenamento jurídico nacional e em tratados internacionais de proteção aos Direitos Humanos, colaborando, ainda, para o alcance por parte de atingidos e atingidas por violações de Direitos Humanos, ocorridos no desempenho de suas atividades, a uma reparação rápida e integral;

IV – o direito dos atingidos e atingidas à reparação integral pelas violações de Direitos Humanos cometidos por empresas, com observância do princípio da centralidade do sofrimento da vítima;

V – a implementação, o monitoramento e a avaliação periódica das Diretrizes;

CAPÍTULO III

DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO

Art. 6º No tratamento e prevenção de violações de Direitos Humanos cometidos por empresas deve-se:

I – Reconhecer a desigualdade das partes envolvidas nos litígios;

II – Aplicar o princípio constitucional da razoável duração aos processos coletivos e individuais que versem sobre reparação de violações de Direitos Humanos por empresas, dando-lhes prioridade;

III – Garantir o respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, assegurando inclusive assistência jurídica integral gratuita às pessoas e aos grupos em situação de vulnerabilidade;

IV – Assegurar a capacitação de servidores públicos inclusive agentes do Sistema de Justiça sobre a temática de Direitos Humanos e empresas, com foco nas responsabilidades do Estado e das empresas, conforme o PNDH-3 e o Direito Internacional dos Direitos Humanos;

V – Aperfeiçoar os mecanismos de acesso aos arquivos, documentos, de transparência e de participação social, em especial dos atingidos e atingidas, garantindo o direito à assessoria técnica independente, escolhida pelos atingidos e custeada pelos empreendimentos violadores;

VI – Impedir a captura corporativa dos espaços de participação, para que as empresas não monopolizem o espaço de fala em prejuízo dos atingidos e atingidas;

VII – Designar instância de participação social com representação dos atingidos para acompanhar a implementação das presentes diretrizes nas ocasiões em que se verifiquem graves violações de direitos humanos decorrentes da atividade empresarial;

VIII – Assegurar a pessoas e coletividades atingidas o direito de representação nos conselhos e órgãos de participação social responsáveis pelo monitoramento das diretrizes nacionais;

IX – Determinar a suspensão imediata de parcerias, financiamentos públicos, incentivos fiscais e subsídios de qualquer tipo ou contratos administrativos com empresas que estejam envolvidas em violações de Direitos Humanos decorrentes direta ou indiretamente de sua atividade;

X – Promover a consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas e comunidades quilombolas e tradicionais impactadas pela atividade empresarial, assegurando o direito de emitir ou negar consentimento em relação ao empreendimento, respeitados eventuais protocolos existentes;

XI – Assegurar mecanismos de proteção aos atingidos e atingidas por violações de Direitos Humanos por empresas, bem como defensores e defensoras de Direitos Humanos que se encontrem em situação de risco e ameaça;

XII – Combater a discriminação nas relações de trabalho e promover a valorização da diversidade;

XIII – Ampliar e aprofundar os programas e as políticas públicas de enfrentamento ao trabalho infantil, ao trabalho análogo à escravidão, bem como ao estrito cumprimento das normas de segurança e saúde no trabalho, sempre em observação às características psicofisiológicas dos trabalhadores e trabalhadoras e à natureza da atividade exercida por estes;

XIV – Promover estudos de impactos sociais das atividades empresariais, com recorte de gênero, diversidade sexual, raça, classe, assim como garantidores da proteção às comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais, exigindo a observância dos Direitos Humanos em todas as suas dimensões como condicionantes à implementação do empreendimento;

XV – Promover estudos de impactos ambientais das atividades empresariais, incluindo o meio ambiente de trabalho, exigindo a observância dos Direitos Humanos em todas as suas dimensões como condicionantes à implementação do empreendimento;

XVI – Aperfeiçoar os mecanismos de proteção aos recursos hídricos, assegurando a responsabilização das empresas pelo fornecimento em casos de dano ambiental, assegurando que a população não fique sem acesso à água potável;

XVII – Evitar que o monitoramento da atividade empresarial pelas próprias empresas substitua a fiscalização destas por parte do Estado, no tocante às medidas de segurança, preventivas de ocorrência de desastres e de graves acidentes trabalho, cumprimento da legislação ambiental, bem como quaisquer outras relacionadas às garantias fundamentais de proteção aos Direitos Humanos em todas as suas dimensões;

XVIII – Assegurar o direito à informação adequada e à participação de comunidades potencialmente atingidas pelos empreendimentos empresariais na implementação de todas as medidas preventivas de violações de Direitos Humanos.

Parágrafo único. Os estudos de impacto social e ambiental são de responsabilidade do Estado. Devem ocorrer antes da autorização da atividade econômica empresarial e acompanhada de instrumentos de monitoramento. Em todos esses processos devem ter mecanismos de maior participação social na elaboração dos estudos e na eleição de indicadores a utilizar como metodologia para realizá-los;

CAPÍTULO IV

DA OBRIGAÇÃO DO ESTADO E DAS EMPRESAS COM RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS

Art. 7º O Estado tem a obrigação de legislar, respeitar, proteger e assegurar a fruição de Direitos Humanos no contexto das atividades empresariais, pautando sua atuação pelas seguintes diretrizes:

I – Regulamentar e fiscalizar a atividade empresarial de modo a cumprir com o conceito de trabalho decente e a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, tendo em vista que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna.

II – Garantir condições materiais e estrutura física, logística e de pessoal para ações de fiscalização de obrigações trabalhistas e inspeção em segurança do trabalho em todo o território nacional;

III – Aperfeiçoar a legislação para estabelecer que as empresas controladoras tenham responsabilidade solidária com suas controladas, bem como sua cadeia de produção e investidores públicos e privados pelas violações de Direitos Humanos causados em decorrência da atividade empresarial;

IV – Garantir que os grandes empreendimentos e projetos de infraestrutura resguardem os direitos dos povos indígenas e de comunidades quilombolas e tradicionais, conforme previsto na Constituição e nos tratados e convenções internacionais.

V – Estabelecer, manter e fortalecer sistemas de alerta precoce e rede de canais de denúncia de violações de Direitos Humanos cometidas no contexto de atividades empresariais para uso dos fornecedores, dos trabalhadores, das trabalhadoras e da comunidade;

VI – Exigir das empresas apresentação de análise de riscos aos direitos humanos sobre suas atividades, bem como a adoção de medidas de prevenção, controle e reparação;

VII – Manter o necessário distanciamento para exercer uma fiscalização eficiente sobre a atividade empresarial, evitando que a influência econômica das empresas (lobby) possa direcionar a atuação de órgãos públicos ou a formulação de políticas públicas;

VIII – Estabelecer prazos mais longos de “quarentena” para servidores públicos encarregados das funções de fiscalização ocuparem cargos de chefia, direção ou administração em empresas;

IX – Aperfeiçoar a legislação para impedir que agentes públicos das Forças Armadas ou da área de segurança pública possam ser contratados para exercer a segurança privada de empresas particulares;

Art. 8º As empresas devem promover, respeitar, proteger e assegurar os Direitos Humanos no contexto de suas atividades, pautando sua atuação pelas seguintes diretrizes:

I – Dever de abster-se de qualquer prática ou conduta que possa violar os Direitos Humanos, e de tomar medidas que impliquem em risco de prejuízo ou violação destes, providenciando a cessação imediata da medida violadora já em andamento;

II – Dever de abster-se de todo ato de colaboração, cumplicidade, instigação, indução e encobrimento econômico, financeiro ou de serviços com outras entidades, instituições ou pessoas que violem Direitos Humanos;

III – Dever de respeitar todas as normas internacionais e nacionais que proíbem a discriminação, em particular por motivos de raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opinião política ou atividade sindical, nacionalidade, origem social, condição social, pertencimento a um povo indígena, deficiência, idade, condição migratória ou outra que não guarde relação com os requisitos para desempenhar um trabalho, devendo ainda aplicar ações positivas anti-discriminatórias;

IV – Dever de respeitar todas as normas internacionais e nacionais que proíbem a exploração de trabalho infantil e em condições análogas às de escravo, em toda a cadeia produtiva;

V – Dever de abster-se de estipular metas de forma abusiva, caracterizadora das práticas de assédio moral individual ou assédio moral organizacional;

VI – Dever de respeito e proteção dos dados personalíssimos dos funcionários e da efetiva proteção de dados de clientes;

VII – Dever de respeitar os direitos territoriais e de livre determinação dos povos indígenas, quilombolas e das comunidades tradicionais, assim como sua soberania sobre os recursos naturais e sobre a riqueza genética local, submetendo as atividades da empresa aos mecanismos de consulta cujos resultados orientarão a tomada de decisões;

VIII – Dever de respeitar os direitos das comunidades costeiras e campesinas e de coibir subornos ou outras formas de corrupção e intimidação no acesso a terras para concessões de exploração extrativistas, aquicultura, agronegócio, turismo e outros;

IX – Dever de respeitar os processos coletivos, as associações, entidades sindicais, organizações, movimentos e outras formas de representação próprias dos trabalhadores e trabalhadoras, das comunidades, defensores e defensoras de direitos humanos, enquanto sujeitos legítimos no estabelecimento de diálogo e defesa de interesses dos que tiveram seus Direitos Humanos violados ou sob ameaça de violação;

X – Dever de prestar informação pública, precisa e detalhada sobre:

a) Propósito, natureza e alcance dos contratos de locação de operações e/ou outros contratos assim como do término dos mesmos;

b) Atividades, estrutura, propriedade e governança das empresas;

c) Situação financeira e desempenho das empresas;

d) Disponibilidade de mecanismos de reclamação e reparação e procedimentos para a sua utilização.

e) Demais informações exigidas por lei.

XI – Dever de publicar a estrutura da gestão corporativa e suas políticas de promoção e defesa dos direitos humanos e informar quem são os responsáveis pela tomada de decisões e seus respectivos papéis na cadeia de produção, a fim de que os acionistas com poder decisório se tornem também responsáveis e a desconsideração da personalidade jurídica possa ocorrer;

XII – Dever de difundir as informações através de todos os meios de notificação apropriados, tendo em conta a situação de comunidades remotas, isoladas ou não alfabetizadas, e garantir que a referida notificação seja não apenas entregue, mas compreendida com o uso dos idiomas das pessoas e comunidades afetadas;

XIII – Em caso de riscos derivados das suas atividades, dever de assegurar a participação dos trabalhadores e trabalhadoras, das pessoas e comunidades afetadas ao gerir a situação, em busca da representatividade coletiva.

XIV – Dever das empresas transnacionais de adotar normas e legislação do país que garantam maior proteção de direitos humanos, independentemente do local do dano;

CAPÍTULO V

DOS MECANISMOS DE REPARAÇÃO

Art. 9º Não é admissível o argumento do forum non conveniens (incompetência do Juizo) em casos que versem sobre violações de Direitos Humanos cometidas no contexto da atividade empresarial, ainda que os fatos tenham sido cometidos fora do território nacional;

Art. 10. Os órgãos estatais e instituições de justiça não podem se valer de qualquer acordo extrajudicial ou judicial com empresas que as exonerem de suas obrigações de indenizar e reparar integralmente pessoas e comunidades atingidas por suas operações.

Art. 11. As negociações eventualmente desenvolvidas perante instâncias do Poder Público que atuem ou venham a atuar no tratamento de violação de Direitos Humanos cometidos no contexto da atividade empresarial, seja na esfera extrajudicial, no bojo de um processo judicial ou em paralelo ao processo judicial, devem se orientar pela busca de soluções garantidoras de direitos humanos, haja vista a assimetria entre as partes envolvidas, devendo observar os ditames a seguir descritos:

I – Escuta, interlocução e participação dos trabalhadores e trabalhadoras, de entidades sindicais, das pessoas e comunidades atingidas, seus apoiadores e assessorias técnicas, na criação das instâncias e procedimentos a serem adotados para soluções garantidoras de direitos humanos;

II – Participação dos órgãos responsáveis pelas políticas públicas de Direitos Humanos, bem como órgãos do sistema de justiça, favorecendo a adoção de soluções que promovam a reparação integral das violações;

III – Priorização do modo de vida, cultura, usos e costumes de povos indígenas e comunidades quilombolas e tradicionais atingidas por violações de Direitos Humanos decorrentes da atividade empresarial, bem como suas crenças e tradições, respeitando a organização social de cada comunidade afetada, considerando, ainda, a necessidade de consulta prévia, livre, informada e de boa-fé;

IV – Os acordos individuais ou termos de ajustamento de conduta eventualmente celebrados não poderão gerar a flexibilização de garantias e de princípios legal e constitucionalmente previstos e que são passíveis de reconhecimento pela via judicial nem mitigar a responsabilidade integral de empresas por violações de Direitos Humanos cometidas no contexto de suas atividades;

Art. 12. Essa Resolução entra em vigor na data da sua publicação.

RENAN VINICIUS SOTTO MAYOR DE OLIVEIRA

Presidente do Conselho